STJ livra Petrobras de pagar indenização de R$ 2,9 bi e determina novo julgamento
Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro (TJRJ) deve refazer um julgamento em que a Petrobras foi
condenada a indenizar a empresa holandesa Paragon Offshore em cerca de
R$ 2,9 bilhões por rompimento unilateral de contratos de afretamento de
navios-sonda. O julgamento, por maioria de votos, é da 3ª Turma.
A estimativa do valor da causa foi feita pela própria Petrobras, que informou
ontem ao mercado que estão provisionados R$ 154 milhões para essa discussão.
O caso começou em 2008, quando a estatal renovou, por seis anos, dois
contratos com a Paragon Offshore para afretamento de dois navios-sonda que
já estavam em operação.
Os contratos tinham cláusulas que previam uma paralisação estimada de 150
dias para obras de modernização que seriam feitas pela empresa holandesa. O
problema é que essa paralisação se estendeu. Em um dos navios, dos 150 dias
originalmente previstos, por mais 468 dias. No outro, por mais 387 dias. A
Petrobras, então, decidiu romper o contrato de forma unilateral.
A Paragon recorreu à Justiça para cobrar indenização da Petrobras. A afretadora
alega que o rompimento unilateral culminou com a apresentação de pedido de
recuperação judicial no ano de 2017, nos Estados Unidos.
A mera tolerância não implica concordância nem modifica o conteúdo
contratual”
— Mayra Itaborahy
Em primeira instância, o pedido de indenização foi negado, mas a decisão foi
revertida em segunda instância. Na 25ª Câmara Cível do TJRJ (que hoje passou
a ser a 19ª Câmara de Direito Privado), onde o processo foi analisado, o
resultado, porém, não foi unânime.
Para essas hipóteses, o artigo 942 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece
o julgamento estendido, com a convocação de julgadores de outras turmas para
compor o colegiado, “nos termos previamente definidos no regimento interno”
de cada tribunal.
O artigo 130-A do regimento interno do TJRJ, por sua vez, diz que devem ser
convocados os magistrados da Câmara de numeração imediatamente superior
à do julgamento. Em vez disso, no entanto, o presidente da 25ª Câmara
convocou dois juízes que não integravam nenhuma Câmara, mas atuavam de
forma independente em casos de licenças e impedimentos de desembargadores.
O artigo 942 diz expressamente que o colegiado deve ser ampliado por
magistrados “em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do
resultado inicial”. No caso, a 25ª Câmara era composta por cinco
desembargadores, o que seria suficiente para atender ao critério se duas
desembargadoras não tivessem declarado impedimento.
Em sustentação oral no julgamento, o advogado da Petrobras, José Eduardo
Cardozo, requereu a nulidade do processo por ofensa ao artigo 942 do CPC e
ao princípio do juiz natural. E, no mérito, defendeu que a decisão do TJRJ feriu
o artigo 122 do Código Civil. O dispositivo não permite que um contrato tenha
extensão determinada por arbítrio exclusivo da parte, o que teria acontecido de
fato se o atraso da empresa holandesa para manutenção dos navios não fosse
levado em conta como critério de rompimento do contrato.
“Não pode uma empresa holandesa fazer o que fez e ser contemplada por uma
sentença ilícita, recebendo dinheiro por uma situação que ela mesma
provocou”, defendeu o advogado da Petrobras na tribuna.
Na defesa da Paragon, o advogado Rodrigo Mudrovitsch destacou que o prazo
de 150 dias não era um limite para as obras e que, concluídos os melhoramentos
nos navios-sonda, eles voltaram a operar normalmente sem que tivesse havido
“qualquer objeção por parte da Petrobras quanto ao tempo de modernização”.
Na 3ª Turma do STJ, a maioria dos ministros entendeu que houve ilegalidade
na convocação dos juízes, por não cumprir os critérios previstos no regimento
interno de convocação de desembargadores de outra câmara (REsp 2028735).
Com a decisão, o processo será devolvido ao TJRJ para realização de novo
julgamento. Não ficou claro, no entanto, se deve ser feito novo julgamento da
apelação, com o quórum original, ou se só o julgamento estendido foi anulado.
Prevaleceu no STJ o entendimento do relator, Moura Ribeiro, que reajustou seu
voto para concordar com a divergência aberta por Villas Bôas Cueva. O
ministro defendeu que, embora o colegiado pudesse convocar magistrados que
não compunham uma câmara, a medida deveria ter sido adotada de forma
antecipada.
“Tais designações, feitas por critérios objetivos e impessoais, devem ser
anteriores ao início do julgamento não unânime em que se verificou a
necessidade de ampliação do colegiado, de modo a garantir maior
previsibilidade”, afirmou o ministro.
Ele também viu ilegalidade no fato de que o debate sobre a questão de ordem
a respeito do quórum estendido não ter sido incorporado ao acórdão, embora
se tratasse de uma questão crucial para o resultado do julgamento.
Ao ajustar seu voto, Moura Ribeiro concordou que seria possível a convocação
de juízes para o julgamento aumentado, conforme o costume do tribunal, se
não houvesse previsão legal sobre o assunto - o que torna a convocação ilegal.
Também aderiram a esse entendimento as ministras Nancy Andrighi e Daniela
Teixeira. Humberto Martins ficou vencido.
Para Mayra Mega Itaborahy, sócia do escritório Murayama, Affonso Ferreira e
Mota Advogados, o contrato celebrado pelas duas empresas poderia ter sido
mais claro em relação às consequências para extrapolação do prazo das obras
de melhoramentos. Segundo ela, no entanto, os atrasos equivalentes ao triplo
da estimativa inicial não são compatíveis com a boa-fé e equilíbrio contratual.
“Quanto ao argumento de que a Petrobras não se opôs aos atrasos, é
importante lembrar que, havendo cláusula de não novação, comum em
contratos dessa natureza, a mera tolerância não implica concordância nem
modifica o conteúdo contratual”, afirma a advogada.
A advogada Júlia Mota, sócia do mesmo escritório, diz que o entendimento
pode ter repercussões em todo o mercado. “As cláusulas de rescisão unilateral
pela Petrobras são comuns, mas podem gerar desequilíbrios quando aplicadas
sem justificativa clara”, afirma. “Decisões como essa reforçam a necessidade de
boa-fé e previsibilidade nas relações contratuais, especialmente em contratos
internacionais de grande porte”, conclui.
O Valor entrou em contato com a defesa da Paragon Offshore, mas não teve
retorno até o fechamento da edição.